domingo, 7 de fevereiro de 2010

Mulheres, e daí?

Todos os anos, há muitos anos, comemoramos o 8 de março. Dia Internacional da Mulher. Comemoramos? Há o que comemorar? Se formos nos ater apenas a todas as matérias veiculadas da imprensa nos dias que antecedem o 8 de março, nos atos e eventos promovidos pelos poderes públicos, nas propagandas das TVs, rádios, jornais e revistas, concluiremos que sim, deve haver muito o que comemorar, afinal tantas palavras e imagens não hão de ser por nada. Essas palavras e imagens contam de mulheres vitoriosas, mulheres bons exemplos, que conseguem ter trabalho, salário digno, ocupam cargos de mando, têm filhos e filhas, fazem exercícios, cuidam da casa, amam e são amadas por seus maridos e são tão livres, mas tão livres, que dão de presente aos seus companheiros no 8 de março calcinhas e sutiãs, como alegremente insinua uma propaganda de uma grande loja de departamento brasileira.

É, nessas palavras e imagens comemora-se a mulher exceção. Tanto a exceção é regra - pois a vida real das mulheres não é assim – quanto a exceção que não foge da regra, mas produz e reproduz o que a dominação impõe que seja uma mulher. A mesma de sempre e por todo o sempre. Que assim seja…

Ou não. Porque há um outro 8 de março, há um outro dia Internacional da Mulher e nesse não há comemorações, mas sim lutas. Não é uma data síntese, uma marca no calendário que resume o que conquistamos, mas um momento símbolo das lutas que travamos todos os dias. Em movimento, nas ações políticas e no fazer da vida cotidiana, em todos os tempos e lugares. Na recusa barulhenta ou silenciosa das opressões e explorações a que estamos submetidas. Movimentos que rasgam as cortinas, derrubam as paredes, explodem os muros que nos aprisionam na invisibilidade do que não somos e de onde querem que estejamos.

Sim, as mulheres em seus movimentos têm mudado muita coisa no mundo. Coisas impensáveis há décadas. Mas não eliminamos da face da terra o que nos oprime, pois derrubar muros e paredes não impede que estes voltem na violência doméstica e sexual, na desigualdade de salários, na falta de emprego, na precariedade dos serviços de saúde, na ausência de terra para plantar e casa para morar, no saneamento inexistente, na falta de verde, na falta de ar, em todos os pratos sem comida, na política que se resume a uma mera gestão da vida como ela é, tentando sufocar as outras tantas possibilidades de poder ser.

Os muros e paredes se refazem com outras cores e artifícios, fingindo-se até de inexistentes, como são essas imagens da “nova mulher” que tudo pode e tudo é, desde que continue sendo um objeto. Ou então nas mesmas cores de sempre, nas mesmas palavras de sempre, desde quando no começo era o verbo. Prova disso é essa tentativa de criar uma CPI do aborto – chamada pelo movimento feminista de “CPI da fogueira”, dado o seu caráter francamente inquisitório – em que homens da igreja, que crêem serem as mulheres oriundas da costela de um homem, se juntam com homens parlamentares que, copiando a perversa defesa da honra que justificou tantas mortes de mulheres, buscam lavar as suas mãos numa suposta defesa da moral e dos bons costumes, da família e do amor.

Assim nós não temos datas para comemorar, mas lutas de resistência e afirmação. Resistência em afirmar que não somos objetos úteis e belos ou pedaços de corpos. Afirmações que resistem à corrente que diz que a história acabou e o futuro é um presente contínuo e repetido. Por fazermos todos os dias tantas e novas histórias, acreditamos e projetamos futuros no presente. Futuros em que os muros e paredes que nos restringem e sufocam não tenham mais chão algum para se fixarem nem material para se refazerem. Um tempo em que o 8 de março seja apenas o dia em que somos quem somos.

E quem somos nós?
Mulheres, e daí?
Sujeitos na vida e corpos inteiros.

Muito prazer!

PS: a Abong não é uma organização de mulheres, mas é parceira em todas as suas lutas. E por ser assim, sabemos que as mulheres sempre falam na primeira pessoa, seja do singular ou do plural.

Fonte: http://www.mulheremidia.org.br/site/2009/03/mulheres-e-dai/

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